por Rubens Valente | Folhapress | Brasília (DF)
Os presidentes da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e da FPA (Frente Parlamentar de Agricultura) no Congresso Nacional dirigiram ofício ao presidente Michel Temer para pedir a revogação de um decreto de 2007 que instituiu a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais. Os ruralistas também pressionam pela “suspensão dos processos demarcatórios embasados nesse normativo”.
O pano de fundo da ação dos ruralistas são demarcações de terras da União realizadas nos últimos anos pela SPU (Secretaria de Patrimônio da União) ao longo do rio São Francisco, em Minas Gerais, uma região de conflito agrário no norte do estado.Nos últimos meses, comunidades tradicionais de pescadores e trabalhadores rurais têm denunciado o aumento da violência naquela região, com 16 locais sob tensão, segundo a Comissão Pastoral da Terra. Fazendeiros da região reivindicam a posse sobre as terras, o que levou a uma reação do Ministério Público Federal a pedido das famílias. O caso é acompanhado pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR (Procuradoria Geral da República). No ofício a Temer na última terça-feira (14), os ruralistas afirmam que as demarcações em Minas Gerais
“têm sido realizadas inadvertidamente, ao livre arbítrio dos servidores da SPU, que recorrem à amplitude contida no bojo do decreto”.
A política criada pelo decreto de 2007 atua em quatro eixos principais: acesso aos territórios tradicionais e aos recursos naturais, infraestrutura, inclusão social e fomento à produção sustentável. Ela procura promover o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais acompanhando o tema nos diferentes órgãos do governo federal.
A execução da política é acompanhada pela CNPCT (Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais), cuja secretaria-executiva é ocupada pelo Ministério do Meio Ambiente. Participam da comissão representantes de comunidades quilombolas, indígenas, sertanejos, seringueiros, extrativistas, pescadores, indígenas, ciganos e pantaneiros, entre outros.
A conselheira da CNPCT Claudia Pinho, de Cuiabá (MT), representante da comunidade pantaneira, disse que a revogação do decreto representaria “um grande retrocesso”.
“Isso colocaria em xeque muitos avanços que tivemos de reconhecimento e visibilidade das comunidades tradicionais. Vai na contramão do que o governo do Brasil assinou em 2004, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”,
disse Claudia.
Biviany Rojas, advogada da organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental), disse que “a CNA e a FPA não desistem de tentar aniquilar políticas públicas essenciais, resguardadas pela Constituição e por tratados internacionais, em nome de interesses de alguns proprietários rurais que têm promovido violência no campo. Eventual revogação do decreto representaria grave desvio de finalidade do presidente da República”.
O ofício com o pedido da revogação do decreto foi assinado pelo presidente da CNA, João Martins da Silva Júnior, e pela presidente da FPA, a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS). Os ruralistas defenderam que o decreto “contém vícios de inconstitucionalidade formal, que comprometem sua validade e desautorizam sua permanência no ordenamento jurídico brasileiro”. Para a CNA e a FPA, o decreto deixa “margem a várias interpretações que estimulam e culminam em atos que afrontam a ordem e a segurança, além de violarem a garantia constitucional de proteção à propriedade privada e à dignidade humana, imputando aos proprietários rurais a perda de suas terras, de suas produções e de seu sustento familiar”.
Procurado na noite desta sexta-feira (17), o Palácio do Planalto não havia se manifestado até o fechamento deste texto.