No dia em que a vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL) completaria 39 anos, seu nome foi homenageado em Paraty, ao lado de duas escritoras negras que fizeram parte da formação intelectual da militante de direitos humanos: Carolina de Jesus e Conceição Evaristo, que estava presente e se emocionou ao falar sobre o assassinato da parlamentar. A homenagem, nesta sexta-feira (27), ocorreu na Casa Libre de Nuvens e Livros, parceira da programação oficial da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
“No momento [do assassinato], eu estava em um trabalho fora do país e a gente recebeu a notícia do que estava acontecendo com Marielle quando alguém nos liga”, começou a contar ela, fazendo uma pausa emocionada até voltar com a voz abalada. “A perda está aí, o vazio está aí. Acho que outras mulheres vão continuar essa caminhada. Mas por que nossa caminhada tem que ser tão marcada pela dor”?
Conceição Evaristo é uma das principais escritoras contemporâneas do Brasil e participa neste ano de uma série de debates nas mesas paralelas à Flip, como nos espaços do Sesc e na Casa Insubmissa de Mulheres Negras. A autora defendeu, na fala de hoje, que a população negra se una e agradeceu ao movimento negro por ter conseguido alcançar reconhecimento na literatura.
“O primeiro lugar de recepção da minha obra foi o movimento social negro. Quem me colocou nesse espaço e possibilitou a mídia estar interessada em mim foi o movimento social negro”, destacou ela. “A gente só consegue se afirmar e estar aqui dentro através do coletivo. Coitada da pessoa negra que se pretenda fazer sozinha. Tudo é armado para nos imobilizar pelo caminho. A experiência coletiva tem que ser cada vez mais revigorada”, disse Conceição.
A autora celebrou o maior espaço para diversidade na Flip e disse esperar que o evento se torne cada vez mais democrático. A mudança aconteceu principalmente a partir do ano passado, quando autoras e escritores negros e negras aumentaram sua participação nas principais mesas de discussão, ocupando uma proporção semelhante à dos homens brancos.
“A escrita e a leitura são bens culturais e devem ser da pertença de todos. Ano passado, o que marcou a Flip foi justamente isso e vou ser irônica. Descobriram que preto lê, que preto escreve, que preto compra livros, que preto edita, que preto pesquisa. E só conseguimos isso porque esses pretos e essas pretas conseguiram acessar a leitura e a escrita”, disse.
Conceição falou sobre a importância de Carolina de Jesus em sua formação e considerou que ela foi a autora negra mais corajosa, pela época que enfrentou. Quarto de Despejo, obra mais famosa da autora, permitiu que Conceição Evaristo se reconhecesse.
“Quando a gente lia Carolina de Jesus, a gente lia a nossa vida em Belo Horizonte. Carolina Maria de Jesus poderia ser minha mãe. Nos sentíamos os personagens dela. O que Carolina passava nas ruas de São Paulo, nós passávamos nas ruas de Belo Horizonte”, contou a escritora.
Com fortes denúncias da desigualdade social, racial e de gênero no Brasil em suas obras, Conceição falou também sobre o receio de ter sua obra classificada como “exótica”, restrita a sua origem de mulheres negras e faveladas. Ela alerta para esse risco por já ter visto a obra de sua antecessora, Carolina Maria, ser tratada dessa forma.
“Tenho muito medo que esse viés do exótico conduza à leitura da minha biografia e não dos meus textos”, criticou. “Por que as pessoas leem Clarice Lispector percebendo que a escrita de Clarice questiona a vida, traz o drama existencial da escritora, e por que leem Carolina Maria de Jesus achando que ela está falando só de uma fome física?”