.
Hoje é dia 6 de Janeiro dia de Reis. Passa pela minha lembrança como um filme desbotado pelo tempo as velhas estampas dos reisados, dos ternos e dos ranchos que um dia povoaram a nossa cidade, encheram de alegria nosso povo e desapareceram na poeira da vida, deixando um rastro de vazio e de saudade na memória de tantos que se foram e dos poucos que ficaram para narrar com as letras vivas do coração a epopeia de uma época cheia de encantamento e ternura.
Originários de Santa Rita, que era sede, chegaram eles aqui pela dedicação e sabedoria de homens como Jorge Correia, pintor, filósofo, comediante, dramaturgo, ator e animador cultural que encontrou em Formosa do Rio Preto terreno fácil e fértil para vicejar as sementes daquelas manifestações artísticas regadas com as benesses da sabedoria e da competência.
O mais popular era o Reis dos Caboclos, pelo fato de brotar no meio da população menos favorecida. A indumentária era, por isso mesmo, simples e consistia em arco e flecha, saiote de talas de buriti verde e um cocar de penas de aves na cabeça e nas pernas. Era formado por duas fileiras com predominância para os homens e embalados por uma música compostos por amadores com versos que geralmente, retratavam situações locais, como por exemplo: “Chiquinha deita na rede, Totonha vai balançar” … ambas eram daqui de Formosa.
Na mesma linha, veio os Reis do Urso, numa faixa um pouco mais elevada da população. Também era composto por duas colunas de homens que tinham a indumentária que cobria o corpo com peles silvestres, um vaqueiro ou domador, com vestimenta característica e um urso vestido a caráter recrutado entre os dançarinos da cidade e ao se apresentar nas residências, tinha o vaqueiro ou o domador o propósito da venda do animal que bailava com elegância embalado com a música apropriada.
Feita a oferta o dinheiro era guardado pelo tesoureiro e, em seguida, entoado o hino da despedida que encerrava a apresentação naquela casa.
O Reis que teve maior expectativa e prestigio dentre todos foi o Reis do Negro. Com predominância de homens que pintavam o corpo de preto teve as músicas encomendadas pelo Reembolso Postal, para o Rio de Janeiro, que enviou os versos e a partitura traduzida por Olindina Magalhães que era craque nisso.
O hino de despedida ou do desfile nas ruas começava assim: “Brasil, terra de brasileiros que vibra com violão e pandeiro”… Compunha uma alegoria que representava o escravo e o senhor, munido este com um enorme chicote. Ensaiou durante muito tempo e saiu no dia de hoje. Apresentou-se em poucas ruas e casas e foi surpreendido por um enorme temporal que perdurou por mais de vinte dias, encerrando, desta forma, a efêmera vida do melhor e mais aguardado reis de todos os tempos.
O último dos Reis que por aqui surgiu foi o do Mutum, com alegoria e letra de Virgílio (Meia Quarta), o nosso Joãozinho Trinta. Nascido nas camadas mais simples da população, teve vida breve em virtude de se retirar o ator que dava nome aos reis, que era, nada mais, nada menos, do que este cronista.
Jorge Correia de Souza, do alto de sua competência criou, ainda, Ternos e Ranchos com destaque para o Mimo dos céus, o Rancho das flores e as Havaianas. No primeiro, a voz marcante e afinada de Carmelita entoava um hino de entrada que começava, mais ou menos assim: ”Eu sou a mais bela estrela que o céu já produziu”…
No final dessas reminiscências fica a pergunta que não quer calar: Onde estão a Biblioteca e o Museu depositários ideais e apropriados para essa cultura? Com a palavra os Administradores.
.
.
Francisco Serpa
Dr. Francisco Lisboa Serpa, Advogado formado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, formado em Administração Pública pela SUESC/RJ, formado em Letras/Português e Literatura, escritor com 2 livros no prelo, um Infantil e outro Adulto, Diretor Geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (aposentado).