Formosa do Rio Preto: como viviam as pessoas na zona rural nos velhos tempos, por D. Clezinha

por Clélia Dias de Araújo*

Ao Jovem Darlan Lustosa (este editor)

Em 1939, minha mãe, eu e meus irmãos, fomos passar uns dias na Fazenda Rochedo, onde meu pai, João Dias dos Santos, tinha lavoura de arroz, milho e criação de gado. Minha mãe, fez muitos queijos, requeijão e doces de leite. Naquele tempo, a terra inculta, era uma selva amazônica. Pedi a um trabalhador de meu pai, sr. Ursino, para me ajudar a catalogar todos animais selvagens, pássaros, répteis, abelhas e insetos; também o nome de todas as árvores.

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Aos 7 anos de idade, eu era muito curiosa e já sabia ler e escrever; graças ao meu padrinho Argemiro Dias dos Santos, que trouxe de Salvador uma professora para ensinar seus filhos e afilhados, que eram muitos. Não pude ficar as férias toda; com medo das cobras, que passeavam no terreiro da casa.

A minha irmã mais nova, não tinha medo de nada; as jararacas (tira-peia) no gramado da porta, aquecendo-se ao sol, minha irmã chegava perto e batia o pé com força; a jararaca ficava em pé na ponta da cauda e abria a boca. As cobras corais, ela achava bonitas e queria pegar para brincar; as cobras verdes passavam correndo em grande velocidade. A cobra cipó, subindo na árvore para comer os filhotes no ninho dos passarinhos. A jibóia à noite vinha comer os pintinhos no poleiro. A cobra caninana, subindo na casa, à procura de ratos. Ouvi dizer: a cascavel matou o cavalo na roça; a jararacuçu matou um bezerro. Assombrada, nunca mais passei férias no Rochedo, onde tinha uma linda Penedia, com dois paredões, moradas de mocós, ninhos de araras e papagaios; no centro, minas de água cristalina.

Daí então fui passar férias nas fazendas: Malhadinha, do meu tio Termosires Dias dos Santos; Mucambinho, da tia Leonízia, onde morava também minha avó Etelvina, Tia Beleza e a prima Glorinha, hoje morando na Fazenda Mandacarú. Os fazendeiros tinham casas de taipa com reboco, cobertura de telhas, portas e janelas de madeira, móveis rústicos, louças esmaltadas, panelas de ferro, e outros utensílios de alumínio; roupas e calçados de fábricas; tinham criação de gado, animais cavalar, cabras, porcos e galinhas; plantações de arroz, milho, feijão, cana-de-açúcar com engenho, mandioca com oficina de farinhada e um tear.

A Fazenda Pinto da tia Eulália, a mais organizada. Tinha um laranjal com 200 pés de laranja, enfileirados com distanciamento igual; uma obra de arte. Tudo lá era grande: manguezal, goiabal, macaubal, bananal, canavial, e muitas frutas nativas. Tinha também criação de gado, porcos e galinhas. As mulheres todos os dias vinham com balaios que voltavam cheios de frutas; Tia Eulália era muito caridosa; abatia uma rês e dava metade para os agregados. Também no tear tecia, e costurava roupas para dar aos agregados. Fornecia leite para as crianças. Repetindo o que disse anteriormente; os agregados viviam do que produziam; só compravam o sal e o café.

Os agregados tinham direitos á caça do mato, mel de abelhas, frutas nativas, e, uma tarefa de terra, onde plantavam para o sustento de suas famílias: mandioca, milho, feijão miúdo, melancia e abóbora; mamona para fazer o azeite para iluminação, algodão para fiar, no tear da fazenda tecer os cobertores e tecidos para as roupas de trabalho; fumo de corda, para consumo e venda. Na colheita dos patrões, eles ganhavam por porcentagem: arroz, milho, feijão, rapadura, farinha e tapioca. Tinham direito de criar galinhas e um casal de porcos. Moradia: um casebre de taipas sem reboco, cobertura de palhas, a sala-cozinha, tinha porteiras como de curral; os quartos não tinham portas de madeira; usavam esteiras de palha como cortinas; camas de vara com colchões recheados com palhas secas de bananeiras; cabides de chifre de galheiro; utensílios de barro; tamboretes de couro; jiraus de varas. À noite acendiam uma fogueira para aquecer do frio e afugentar pequenos animais. Tinham um gato e um cachorro como vigias.

As doenças eram raras; curavam com chás de ervas, cascas e sementes de algumas árvores; fora acidentes, as pessoas duravam um século. Nas décadas de 1960 a 1970, surgiu o maior inimigo da saúde e da vida; um inseto chamado “barbeiro”; escondido nas frestas das paredes da casa, à noite sugava o sangue na veia das pessoas, e, depositava o parasito “Tripanosoma-cruzi”, causando a doença fatal, “cardite chagástica”; ou “doença de chagas”; nome dado por causa do seu descobridor, Dr. Carlos Chagas. Na minha farmácia, vendi muito Rochagan que curou muita gente; mas, só a dedetização nas casas, acabou com o inseto maldito.

Na década de 1980, chegou energia e telefone. Hoje a Zona Rural está bem desenvolvida, com estradas de rodagem, energia, casas bonitas, confortáveis; os camponeses com os filhos e netos formados em cursos médio e superior.
Atualmente todos nós munícipes merecemos mais melhoramentos enquanto o município tem uma renda alta.

Clélia Dias de Araújo

Clezinha é ex-vereadora e escreve no Facebook sobre as saudades de uma Formosa do Rio Preto de outrora.

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