Agência USP
O que o livro Iracema, de José de Alencar, e a Bíblia Sagrada têm em comum? Por mais surpreendente que pareça, vários aspectos. Essa foi a descoberta feita pela pesquisa realizada em 2017 no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Fernando Paixão foi à França trabalhar na comparação entre dois livros tão importantes para o mundo.
Sair do senso comum foi o segredo para o sucesso da investigação. O clássico brasileiro sempre foi analisado por seu viés indianista e nacionalista da fase do Romantismo no País. Muitas descobertas foram feitas em cima desses pontos de análise do livro, então Paixão resolveu seguir um caminho diferente. “Eu quis deixar um pouco de lado essa discussão que já é exaustiva para estudar a forma, o ritmo e a composição das imagens do Iracema”, confessa o autor.
Ritmo — segundo o teórico francês Henri Meschonnic, que inspirou a pesquisa de Fernando — não se baseia no conceito binário utilizado na análise da literatura: forma e conteúdo; significado e significante. Para Meschonnic, ritmo é uma ideia de totalidade, algo que é particular de cada autor e que deve ser analisado para o texto como um todo, por alterar a forma de compreensão da narrativa e o papel que da obra no mundo.
Analisando o ritmo de Iracema, foi possível perceber que o livro de José de Alencar apresenta uma grande proximidade com o texto da Bíblia. Baseado em Robert Alter, americano estudioso do livro sagrado dos cristãos, que escreveu um livro sobre a poética da Bíblia, Paixão notou uma semelhança entre as frases dos dois textos. “Uma frase, por exemplo, que indica uma ação, depois dá um detalhe a mais, isso quer dizer que ela está especificando, e depois intensifica.” Esse tipo de construção, exemplificado pelo pesquisador, também aparece na Bíblia, o que aproxima as duas obras. “Por exemplo: ‘Iracema subiu o morro (ação) com a sua flecha (uma especificação) como se fosse uma loba guerreira (intensificação)’”.
Essa estrutura ajuda na criação da personagem mítica que é Iracema. Alencar cria uma mulher que representa toda uma tribo, tem ciência de poções mágicas e mantêm segredos essenciais para a sobrevivência do índio frente ao branco. Com o ritmo aproximado da Bíblia, as duas histórias criam um clima épico para o leitor (gênero de antigas manifestações literárias que retratam as aventuras de um grande herói — na Bíblia, Jesus).
Não há como afirmar que Alencar foi diretamente influenciado pelo texto sagrado, porém, em suas anotações foi possível perceber que a Bíblia era um livro muito importante para sua vida e que outras inspirações clássicas também podem ter efeito em sua escrita. “Ele está voltado para esses textos clássicos como A Odisséia de Homero, o escritor francês François-René de Chateaubriand (1768-1848) e a Bíblia”, segundo Paixão.