GUSTAVO FIORATTI | SรO PAULO, SP (FOLHAPRESS) |
A atriz Beatriz Segall morreu nesta quarta-feira (5), aos 92 anos. Ela estava internada no hospital Albertย Einstein, em Sรฃo Paulo, mas o motivo nรฃo foi divulgado, a pedido da famรญlia.
Poucas atrizes marcaram o imaginรกrio de um paรญs como fez Beatriz Segall com sua Odete Roitman, ricaรงa esnobe da novela “Vale Tudo”, tรญpico espelhamento da elite social carioca nas tramas criadas para a televisรฃo no fim do sรฉculo 20.
O assassinato da personagem rendeu ร Rede Globo um dos maiores รญndices de audiรชncia na histรณria da TV brasileira, especialmente no รบltimo capรญtulo da novela de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassรจres, em janeiro de 1989, quando seu algoz foi enfim revelado.
“Quem matou Odete Roitman?” tornou-se uma daquelas frases repetidas ร exaustรฃo por jornais e revistas.
O sucesso deste que, sem dรบvida, foi o grande momento da carreira de Segall, impingiu tambรฉm ร atriz a confirmaรงรฃo de um estigma. Nรฃo foram raras as vezes que ela assumiu personagens associados a classes altas, os quais, com sua voz levemente nasalada e os olhos claros, desempenhava com muita naturalidade e domรญnio.
No hall de megeras e vilรฃs, houve, anteriormente a Odete, em 1980, Lourdes Mesquita, que tentou boicotar o namoro de seu prรณprio filho, assumido por Fรกbio Jr. na novela “รgua Viva”, tambรฉm de Gilberto Braga.
No teatro, Beatriz Segall tambรฉm se destacou no papel de uma milionรกria, na peรงa “Trรชs Mulheres Altas”, do norte-americano Edward Albee, dirigida por Josรฉ Possi Neto. A montagem, que tinha Nathalia Timberg no elenco, rendeu a ela, em 1995, o mambembe de melhor atriz.
Possi foi um de seus encenadores preferidos, aliรกs. Ele tambรฉm dirigiu Beatriz Segall em “O Manifesto” (1988), de Brian Clark, e em “Lillian”, de William Luce (1989).
Inรญcio da carreira Nascida no Rio de Janeiro em 1926, filha de professores que eram donos de uma tradicional escola da cidade, Segall conviveu com intelectuais desde cedo e seu cรญrculo de amizades na juventude incluรญa pintores e os artistas dos circuitos paulista e carioca. Ela decidiu estudar atuaรงรฃo nos anos 1940; conseguiu seus primeiros trabalhos em um grupo amador do teatro da Alianรงa Francesa, onde textos franceses eram encenados na lรญngua original.
Em diversas entrevistas, a atriz relatou que para seguir a profissรฃo precisou enfrentar o preconceito de seu pai, que via as artes cรชnicas como uma atividade marginal.
Autora de frases cortantes, dizia que havia sido criada para se casar, ter filhos e cuidar do lar. Sua formaรงรฃo incluiu aulas de costura e piano. Na juventude, Segall costurava suas prรณprias roupas.
Entre 1950 e 1964, apรณs casar-se com Maurรญcio Segall, filho do pintor Lasar Segall, e mudar-se para Sรฃo Paulo apรณs uma temporada de estudos em Paris, parou de atuar e de fato dedicou-se ร criaรงรฃo dos filhos -teve trรชs. Contava que a interrupรงรฃo da carreira foi voluntรกria.
Decidiu retomรก-la em 1964, primeiramente dirigindo peรงas no Teatro de Arena, que tinha forte conexรฃo com movimentos estudantis, e depois, a convite de um grupo que estava fazendo barulho na capital paulista, o Oficina. Sob a direรงรฃo de Josรฉ Celso Martinez Corrรชa, substituindo a dama do teatro Henriette Morineau, Beatriz Segall voltou aos palcos em “Andorra”, de Max Frisch.
No ano seguinte, trabalhou no Oficina novamente, em “Os Inimigos”, de Mรกximo Gorki.
No livro “Beatriz Segall, Alรฉm das Aparรชncias”, publicado pela coleรงรฃo Aplauso, da Imprensa Oficial, ela relata que colegas das artes cรชnicas, neste perรญodo, torciam o nariz para o rรณtulo de moรงa rica. “No comeรงo da carreira fui mal recebida por muitos colegas de profissรฃo, e isso se deve a um boato que se criou, o de que eu era grรฃ-fina e que estava tomando o lugar dos outros, uma postura maldosa e destrutiva que me prejudicou muito.”
Teve presenรงa significativa no teatro nos anos que seguiram seu retorno. Em 1969, fez “Um Inimigo do Povo”, de Henrik Ibsen, e assumiu a rainha Gertrudes, de “Hamlet”, sob direรงรฃo de Flรกvio Rangel. Em 1976, outro grande papel: fez Amanda Wienfield, em “ร Margem da Vida”, de Tennessee Williams.
Entre 1968 e 1974, administrou o Theatro Sรฃo Pedro ao lado do marido, que foi preso durante um ano, por questรตes polรญticas, pela ditadura militar. Na programaรงรฃo, o casal privilegiava trabalhos que pudessem espelhar o momento polรญtico, a exemplo de “O Interrogatรณrio”, de Peter Weiss, que tinha ao fundo a Alemanha nazista.
Suas entrevistas a jornais e revistas quase sempre foram marcadas pela desinibiรงรฃo de seu olhar crรญtico. Julgava-se ciumenta, era avessa ao “pรบblico burro”, criticava os atores brasileiros mais jovens por falta de formaรงรฃo consistente. Em entrevista ao programa “Provocaรงรตes”, na TV Cultura, reclamou ao apresentador Antรดnio Abujamra do pouco espaรงo dado aos velhos na TV Globo. Disse ter recebido poucos convites apรณs completar 80 anos.
Segall teve poucos papรฉis de destaque depois desta idade. Em 2015, por exemplo, fez um episรณdio da sรฉrie “Os Experientes”, dirigida por Fernando Meirelles e seu filho, Quico Meirelles, no qual interpretou uma mulher aposentada, sequestrada por um grupo de assaltantes de banco. Um trabalho para uma atriz de peso, como era.
Se gabava por ter trabalhado no “o pior filme jรก feito no Brasil”, “A Beleza do Diabo” (1950), de Romain Lesag. No cinema, fez ainda “O Cortiรงo” (1978), dirigido por Francisco Ramalho Jr., e, mais recentemente, uma participaรงรฃo em “Famรญlia Vende Tudo” (2011), de Alain Fresnot, entre outros.