Ursal: Daciolo e Bolsonaro no País dos animais

Foto em destaque: Cabo Daciolo (Patriota) participa do primeiro debate presidencial das eleições 2018 promovido pela Band, na última quinta-feira.

Mário Magalhães
theintercept.com

 

AS ANTAS NÃO são vistas no Estado do Rio há mais de cem anos”, disse o biólogo André Lanna ao repórter Gustavo Goulart. “A última visão foi em 1914.” Lanna não pesquisa a espécie humana.

O deputado federal Cabo Daciolo, da seção fluminense do partido autodenominado Patriota, participou na quinta-feira do debate da Band que reuniu oito candidatos presidenciais (a Justiça proibiu a presença de Lula). A certa altura, apregoou que o Brasil tem “400 bilhões de sonegadores”. Isto é, quase 53 vezes a população planetária. A não ser que contemos as formigas, estimadas  em até 100 trilhões.

Cobras têm serpenteado por espaços urbanos e assustado moradores do Rio. Uma delas, flagrada num quintal em Laranjeiras, era uma jiboia de uns dois metros. Surpreendida em seu repasto, cuspiu o gato que degustava e se escafedeu. O especialista em répteis Marco Nassau Kayo esclareceu ao repórter Diego Amorim que jiboias não são venenosas. Espanta, digo eu, que nós cariocas ainda nos surpreendamos com a sem-cerimônia de cobras criadas, peçonhentas ou não.

“O que é a indolência?”, perguntou o deputado Jair Bolsonaro, do PSL-RJ. “É a capacidade de perdoar? Veja aí no dicionário. É a capacidade de perdoar? O índio perdoa.” De acordo com o “Houaiss”, indolência significa preguiça. Uma das acepções de cobra é “pessoa astuciosa e falsa”. O diversionismo retórico do postulante à Presidência pretendeu reinterpretar a declaração do seu vice, general Antonio Hamilton Mourão, sobre “indolência” indígena como herança nefasta dos brasileiros.

Sete em cada dez macacos encontrados mortos em janeiro aqui no Estado apresentavam fraturas, decorrentes de pauladas, pedradas e chutes, ou vestígios de envenenamento. Ao todo, 144 corpos foram recolhidos. Os agressores supunham que os primatas, e não mosquitos, transmitissem o vírus da febre amarela. “Se você diminui a população de macacos, mais gente será picada”, afirmou  o epidemiologista Eduardo Massad à repórter Nathalia Passarinho. A ignorância desatou a matança, que não se apiedou nem de micos-leão-dourados.

 

Na comparação com o deputado egresso do Corpo de Bombeiros, o capitão do Exército pareceu uma alma serena, um zen-budista em estágio probatório.

 

Indagado no debate sobre seu programa para o ensino, Bolsonaro respondeu que cada capital terá um colégio militar. Foi a meta mais ambiciosa mencionada. Na comparação com o deputado egresso do Corpo de Bombeiros, o capitão do Exército pareceu uma alma serena, um zen-budista em estágio probatório. Se Daciolo não lhe subtrair votos, será útil, amenizando a imagem rústica do ex-chefe da Wal, a funcionária fantasma. A extrema direita tabela na campanha eleitoral.

Daciolo provocou Ciro Gomes sobre a conspiração pela “Ursal”, a temível União das Repúblicas Socialistas da América Latina. O candidato do PDT ignorava, como as torcidas inteiras do Guarany de Sobral e do Flamengo, do que se tratava. Na Ursal dos desvarios daciolistas, bolcheviques tropicais apagariam as fronteiras dos países, no espírito internacionalista da canção “Imagine”, do John Lennon.

Dias mais tarde, descobriu-se que a Ursal é uma brincadeira criada 17 anos atrás por uma professora conservadora. Somente lunáticos acreditaram na sigla, e charlatães filosofaram a sério sobre o que era traquinagem.

A entidade dos pesadelos de Daciolo acalentou os meus sonhos. Os prêmios Nobel dos poetas Gabriela Mistral e Pablo Neruda seriam, como diria o Silvio Santos, coisa nossa. Idem o do meu xará Vargas Llosa. Bem como os ceviches peruano e, mais leve, equatoriano.

Vinho made in Ursal? Pinot noir chileno ou argentino, este da Patagônia, terra dos nossos pinguins. Cismei: quem cobraria os pênaltis da nova seleção: o Neymar ou o Cavani? No PSG, saiu faísca para escolher o batedor. Já imaginou o Messi vestido com a amarelinha, jogando na cidade de Marighellagrado, a antiga Salvador? Impossível: os ursalinos exigiriam camisa vermelha…

A ignorância contribuiu para o pânico de moradores de Cachoeiras de Macacu, na região metropolitana do Rio, onde uma onça-parda passeou. Esse mamífero, também chamado de suçuarana, costuma fugir de seres humanos, sem os atacar. Ignorante que sou, confesso: eu seria o primeiro a correr de um bicho daquele. Outras espécies de onças são o que aparentam: perigosas, porém não mais do que muitas pessoas.

Na véspera do debate da Band, o Supremo Tribunal Federal decidiu propor aumento salarial de 16,38% para seus ministros. Os vencimentos mensais subiriam para R$ 39,3 mil, sem considerar penduricalhos e privilégios. O efeito cascata na folha do funcionalismo atingiria R$ 4 bilhões, em momento de pindaíba nacional.

Esses luminares do direito creem que gestos dessa natureza não revoltam a fauna brasileira. No país dos animais, pensam que somos todos cordeiros.

Sobre Darlan Alves Lustosa 8346 Artigos
Darlan Alves Lustosa é natural de Formosa do Rio Preto, no extremo Oeste da Bahia, onde construiu uma sólida trajetória de envolvimento comunitário e defesa dos direitos locais. Com registro profissional 6978/BA e longa experiência como escritor e jornalista, Darlan é um entusiasta da política como ferramenta de transformação social. Ao longo de sua carreira, tem se dedicado a reportagens e artigos que buscam informar, educar e inspirar os leitores a participarem ativamente da vida cívica.Além de escrever para o Portal do Cerrado, Darlan também é sindicalizado e participa ativamente de iniciativas que promovem o desenvolvimento regional e o fortalecimento das causas populares. Sua atuação inclui a organização de eventos, como o Seminário de Combate ao Racismo Institucional e a Palestra do Defensor Público do Estado da Bahia, ambos realizados em Formosa do Rio Preto, com o objetivo de incentivar o diálogo e a justiça social.Darlan acredita que informar é um ato de responsabilidade social, e seu compromisso com a verdade e a precisão jornalística se reflete em cada publicação. Ele vê o Portal do Cerrado não apenas como um canal de notícias, mas como uma plataforma para fortalecer a voz do Oeste da Bahia e dos seus habitantes.
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