A indignação com incêndio no Museu Nacional

Um incêndio de proporções ainda incalculáveis atingiu, no começo da noite deste domingo (2), o Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na zona norte da capital fluminense Foto: Tania Rego | Agência Brasil

Organizações, pesquisadores e estudantes ocuparam as redes sociais em defesa de mais recursos e apoio para as ciências, tecnologias, educação, artes e cultura em geral. As palavras mais utilizadas são “tristeza”, “tragédia” e “descaso” para classificar o incêndio, que começou ontem (2) por volta das 19h30  (veja aqui )e prosseguiu até a madrugada de hoje. O fogo queimou a maior parte do acervo, incluindo peças raras entre as 20 milhões existentes no local.

A Sociedade Brasileira de Arqueologia (SAB) publicou nota cujo texto abre relatando que “lágrimas correm dos rostos” dos integrantes da entidade enquanto buscam palavras pra expressar “tamanha dor e indignação”.

Segundo a entidade, a história do museu se confunde com a própria trajetória do campo da arqueologia no país.

Por fim, a sociedade “manifesta total solidariedade à instituição e a todos os colegas de lá, repudia toda forma de negligência por parte de autoridades governamentais, as quais desde longa data tomaram ciência da necessidade de restauração da instituição e praticamente nada fizeram, e ainda registra a disposição inabalável para somar naquilo de estiver ao seu alcance na luta do Museu Nacional”.

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) também pontuou em nota o prejuízo irrecuperável, colocou-se à disposição para o esforço de recuperação do que resta do patrimônio e também criticou os sucessivos cortes de recursos. “Dos R$ 520.000,00 anuais previstos desde 2014 para a manutenção do Museu, passou-se para os cerca de R$ 340.000,00 em 2017 e R$ 54.000,00 em 2018. Os projetos de reforma e revitalização, requeridos há tanto tempo, não se efetivaram a tempo”, colocou a associação no comunicado.

O Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios Históricos – Icomos/Brasil divulgou nota em que lamenta a “catástrofe” com o museu. A organização chamou o episódio de uma “tragédia anunciada que vinha se desenhando a partir dos últimos anos da política nacional”. A entidade pede a revisão da política de restrição orçamentária que atinge instituições como o museu.

O Conselho Federal de Museologia (Cofem) se manifestou

“de luto pelo patrimônio histórico, científico e cultural perdido por descaso das autoridades públicas”.

Essas autoridades, acrescenta o texto,

“não destinam recursos humanos e financeiros suficientes e ao tempo necessário para se evitar tragédias anunciadas, como a que lamentavelmente constatamos neste início de setembro”.

O Instituto Brasileiro de Museus classificou o episódio como “a maior tragédia museológica do país”. Segundo a instituição, o fato coloca o desafio de “consolidar e implementar uma política pública que garanta, de forma efetiva, a manutenção e conservação de edifícios e acervos do patrimônio cultural brasileiro”.

A Associação Profissional dos Trabalhadores do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural Nacional (Asphan) afirmou em nota que a tragédia evidencia a necessidade de aportes públicos para equipamentos como este. “A cultura não é um negócio, é direito fundamental de nossa gente e de toda a humanidade. É uma obrigação do Estado brasileiro. A situação de abandono em que vivemos advém desse pensamento errôneo, de se achar que estes equipamentos culturais podem viver sem o devido apoio estatal. Em lugar nenhum do mundo isto ocorre!”, destacou a entidade.

Pesquisadores

A antropóloga e professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Lilia Schwarcz foi uma entre docentes e pesquisadores que lamentaram o ocorrido.

“A destruição do Museu Nacional é um desastre sem tamanho e representa um símbolo desse Brasil que vai ardendo em chamas. Os hidrantes estavam sem água, os fios desencapados e os funcionários do museu faziam vaquinha para pagar despesas. Não cuidar de um patrimônio como esse é mostrar como esse país ainda triste e desorientado, sem passado e sem futuro”,

publicou em sua conta no Facebook.

O antropólogo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio Mércio Gomes destacou em sua conta no Facebook a perda de 200 anos de história. Ele conclamou profissionais como antropólogos e geólogos a colocar suas coleções e materiais adquiridos em pesquisas à disposição do museu.

“Temos que reconstituir o nosso Museu Nacional, refazer as coleções de ciência natural, as coleções de arte indígena, as coleções de plantas, animais, mapas, tudo que puder ser reconstituído do passado”, defendeu.

A professora de literatura da UFRJ Gumercinda Gonda relatou em sua conta de Facebook que todo o acervo de línguas indígenas foi perdido: “As gravações desde 1958, os cantos em muitas línguas sem falantes vivos, o arquivo Curt Nimuendaju: papéis, fotos, negativos, o mapa étnico-histórico-linguístico original com a localização de todas as etnias do Brasil, único registro que tínhamos datado de 1945”. A docente classificou o episódio como “uma perda irreparável para nossa memória histórica”.

Redes sociais

No Twitter, Facebook e Instagram, muitas pessoas também lamentaram a perda de coleções inteiras e da maior parte do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, situado na Quinta da Boa Vista, após o incêndio que atingiu o prédio.

A exemplo do que ocorreu com o Museu de Arte Moderna do Rio, em 1978, em que houve uma ação conjunta para levantá-lo, nos textos publicados nas redes sociais, há sugestões de criação de um grupo de amigos, pesquisadores, artistas e funcionários para reconstrução do prédio destruído.

Os posts fazem referência à “incineração da memória” e do “assassinato da história”. Também destacam a descontinuidade de pesquisas inteiras em diversas áreas. As mensagens reiteram que as queixas vêm há anos e que não foram ouvidas pelas autoridades.

Uma mensagem circulou no Whatsapp com um chamado de estudantes de museologia da Universidade Unirio no qual pedem que pessoas enviem fotos do acervo para um e-mail específico como forma de promover um levantamento dos registros visuais das obras.

Iniciativas diversas de abaixo-assinados virtuais passaram a circular nas redes sociais em defesa do museu e denunciando o descaso de autoridades com a manutenção do local.

Sobre Darlan Alves Lustosa 8168 Artigos
Darlan Lustosa é formosense que gosta da escrita e acredita que a política é um meio de transformação da vida das pessoas.Vive e mora em Formosa do Rio Preto, no extremo Oeste da Bahia, com registro profissional 6978/BA e sindicalizado, sobretudo para fortalecer a causa e defender direitos.
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